terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

geronimo's blues

Gerônimo era o nome do vizinho. Eu sempre achei graça quando a esposa dele gritava lá de dentro vem-Gerônimo-que-a comida-ta-na-mesa. Era um cara bacana. perdeu um braço eletrocutado pela maldita máquina de cortar grama. Bem que a esposa dele disse pra não cortar grama em dia de chuva. Pobre homem. Os discos & os livros são as únicas companhias dele agora. Vez ou outra eu apareço por lá com uma garrafa de bebida & ficamos horas & horas ouvindo música & falando dos poetas ou simplesmente bebendo & rindo como nos tempos de escola. Ele não toca mais violão. Por motivos óbvios. Mas ainda guarda aqueles caderninhos velhos com as músicas que cantávamos pelas ruas nas noites de bebedeira. Éramos os compositores. o Gerônimo já no quarto copo de Martini seco sem gelo. Ele ainda gosta de blues. Anda soprando uma gaita tão bem como no tempo em que dedilhava aqueles acordes longos & tristes no violão. Gerônimo’s Blues. Escrevi isso há tanto tempo que já nem me lembro mais. Mas ele ainda lembra. Ele também gosta de saber que eu continuo escrevendo. Diz que ainda sabe uns poemas que escrevi de cor. Digo pra ele – esquece isso cara, vai lá, continua soprando essa gaita – então ele pega o copo, cara de cadela, bebe tudo, limpa o canto da boca com a manga da camisa, & manda um blues de doer o coração, dos nossos, pelos velhos tempos. Acendo um cigarro & fico ouvindo o que dizem as frases soltas daqueles acordes tão tristes. -Locomotivas ao longe como num filme em preto & branco -. Fico feliz em saber que as almas boas não mudam com o tempo. Faço um brinde no final da canção. Ele deposita calmamente o instrumento na mesa entre os cinzeiros sujos, limpa o suor do rosto, enche o copo até a borda, levanta-o acima da cabeça & grita com satisfação saúde companheiro. Saúde, eu digo. & nosso encontro termina num abraço longo de velhos amigos & Martini derramado na toalha da mesa.

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